sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Ainda não deu certo



Nem português nem matemática. A questão mais difícil de responder do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2011 é como alunos de uma escola particular cearense tiveram acesso antes da hora a perguntas que constavam dessa edição da prova. O problema foi detectado ainda no sábado 22, primeiro dia do Enem, quando estudantes apontaram a semelhança entre perguntas do simulado aplicado dez dias antes pelo Colégio Christus, de Fortaleza, e questões do exame. Na quarta-feira 26, o Ministério da Educação (MEC) confirmou: havia mesmo questões idênticas. No dia seguinte, esclareceu que dois cadernos usados no pré-teste feito no Christus em outubro de 2010 haviam sido copiados, cada um deles contendo 48 itens. 

O pré-teste é realizado para se criar um balanço do grau de dificuldade das questões e é respondido por alunos sem que eles saibam que o conteúdo poderá constar do exame (leia quadro à pág. 90). Das 96 questões existentes, 14 foram usadas no Enem 2011 – nove eram iguais, uma era semelhante e quatro, embora com enunciados diferentes, seguiam a mesma linha de raciocínio. “Estamos diante de um grande mistério e acho que não vamos descobrir a resposta”, lamentou a professora Mirian Paura, da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

O MEC acionou a Polícia Federal para investigar como esse material, que deveria ser sigiloso, foi parar no simulado da escola. O Colégio Christus negou, em nota, ter participado de pré-testes do Enem no último ano. Pelo controle do MEC, porém, não há dúvidas de que as questões coincidentes eram de cadernos aplicados na instituição, pois não se testam as mesmas perguntas em mais de uma escola. Por isso, o órgão decidiu cancelar o exame dos 639 alunos do Christus – que poderão refazer a prova nos dias 28 e 29 de novembro, mesma data do Enem para o sistema carcerário. 

Responder ao problema, porém, vai além de apontar quem surrupiou as questões e esbarra, novamente, em falhas no processo de construção do Enem. O grande número de questões coincidentes entre os pré-testes copiados e a prova oficial traz dúvidas sobre a consistência do banco de itens disponível para o exame e sobre como ele vem sendo usado. Afinal, o Enem não deveria ser elaborado com tantas perguntas retiradas de um mesmo caderno usado no pré-teste. Inclusive para evitar que alguém mal-intencionado tire a sorte grande, como parece ter acontecido na edição deste ano.

De acordo com a assessoria do MEC, atualmente há seis mil questões disponíveis no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) para compor provas do Enem. Nos cálculos do professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Tufi Machado Soares, o ideal seria que houvesse 40 mil. “Se o Inep aumenta o tamanho desse banco de dados, mesmo que eventualmente alguém roube um caderno, reduzem-se as chances de que haja coincidência”, diz Soares, especialista em Teoria da Resposta ao Item, metodologia usada no Enem. “Quanto mais amplo o banco, maior é a qualidade do exame”, avalia Luiz Prazeres, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e especialista em avaliações educacionais. Segundo ele, outro indício de que o banco de itens precisa ser ampliado seria a referência dupla ao compositor Noel Rosa – citado em duas questões distintas da prova de linguagens. 

Aumentar o número de questões é uma tarefa para o Inep levar para casa. Antes disso, entretanto, o MEC ainda precisa fazer valer sua decisão sobre a anulação da prova apenas para os alunos do Christus. O colégio, claro, não gostou e pede que apenas as perguntas coincidentes sejam anuladas. Da mesma opinião é o procurador da República Oscar Costa Filho, que ingressou com Ação Civil Pública na Justiça Federal do Ceará contra a deliberação do Inep. “Os candidatos do Christus estão sendo penalizados, vão ficar estigmatizados”, justifica. De acordo com os especialistas ouvidos por ISTOÉ, cancelar apenas esses itens não é opção, pois poderia comprometer a qualidade da prova, uma vez que as perguntas têm níveis de dificuldade diferentes. Outra possibilidade, mais radical, seria reaplicar o exame a todos os estudantes. Essa é outra solução apontada por Costa Filho. Engrossa esse coro o presidente da Associação Nacional de Apoio e Proteção aos Concursos (Anpac), Ernani Pimentel. “Se existiu esse vazamento, pode ter havido vários”, afirmou. 

A polêmica traz, de novo, insegurança a quem prestou o Enem. “Estou triste só de pensar na possibilidade de anulação da prova”, diz Yasmim Valéria, 17 anos. “Estudei muito, estava bem preparada e fui bem.” Ela mora no Rio mas é do Ceará e acompanhou pela internet, antes de o assunto ganhar o noticiário, os rumores sobre o vazamento. “Um foi contando para o outro no Facebook”, diz. A mesma rede social está servindo como ferramenta de mobilização de descontentes. No Rio, quatro mil estudantes confirmaram presença via Facebook na manifestação prevista para domingo 13, na praia de Copacabana. “Todo ano os problemas se repetem. Queremos a volta dos vestibulares por instituição”, pede a estudante Daniela Coimbra, uma das organizadoras do movimento, que, ironizando o Enem, chamará “Protesto contra o Vexame Nacional de Ensino Médio”. 

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